07 julho 2006

Na sua voz se encontrou


A areia passava por entre os dedos do desconhecido, que, sentado na praia, observava o sol moribundo por entre as escuras nuvens.
Ele sabia que o viriam buscar, mais tarde ou mais cedo, mas queria saborear o momento falso de paz e tranquilidade, que há muito não sentia. Apetecia-lhe sorrir, mas esqueceu-se como.
As recordações misturam-se com a dor da expectativa do que o aguarda. Falta tão pouco tempo...
Este mundo é uma redoma de vidro, onde as gentes são controladas pela ilusão, que não sabem que estão rodeadas por um mundo antigo, cinzento e sem oxigénio; sinónimo de morte e destruição.
Ele é um guerreiro da tribo dos últimos índios da Península Agur (algures entre as antigas Espanha e França) e os seus conhecimentos desenham-se à volta das vozes que ficaram gravadas na memória dos tempos.
Levou uma vida solitária tentando chegar aos outros e chamá-los à revolta, mas os que o seguiam acabaram por morrer sob as armas de fogo dos vigilantes.
É um condenado a quem deixaram uns momentos de solidão para "pensar na vida e no que tinha feito".
Carrancudo e miserável, já não sentia nada. Seria uma morte abençoada, a única coisa abençoada neste mundo, que nunca foi o seu....
Deixa aos que sobreviverem ao cataclismo, a escolha de criar um novo mundo, neste ou noutro universo.
De súbito,vê, ao longe, uma sombra indistinta que se aproxima.... Quando consegue focar a vista cansada, vê materializar-se à sua frente uma criança de tenra idade. Estende as mãos para lhe tocar, só para ter a certeza de que a injecção não está a acelarar o efeito, mas ela impede-o com um olhar e começa a cantar, numa voz cristalina, o Cântico do seu povo.
Deita-se a seu lado e faz-lhe sinal para fazer o mesmo.
Enfeitiçado, o guerreiro deita-se e fecha os olhos. Ouve, encantado, a música que tinha abandonado os seus sonhos há tanto tempo.
Não se dá conta das horas que passam nem do tempo que muda.
Quando os outros aparecem para o vir buscar, encontram-no deitado com o sorriso mais puro e feliz que alguma vez tinha passado pelo rosto de cada um...
A morte do guerreiro foi um encontro suave com a vida perdida do seu povo.

1 Comments:

Blogger Unknown said...

lindo...

15:42  

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