30 outubro 2006

O nosso mundo na tua dor


Tentámos gritar, mas não nos ouviste...

Tentámos escrever, mas não soubeste ler...

Tentámos gemer, mas a tua dor cegou-te e quem tenta curar-te é repudiado por ti...

A nossa ferida chegou demasiado perto do teu rosto de porcelana e esqueceste o que é de longe e de terracota e o nosso clamor aparece nas ilustrações do teu écran frágil...

Submergimos do mundo debaixo do teu chão e pairamos como neblina, como fantasmas que querem fazer parte deste mundo mais uma vez.

Até onde o teu egoísmo, que confundes com caridade, te levará?

Olha para as nossas mãos estendidas, procurando apalpar em ti o sorriso e o amor que aqueles que nos distribuem o pão nos oferecem, querendo em troca apenas o nosso consentimento para se alimentarem da poeira que se levanta à tua passagem.

Essa poeira é a esperança do novo mundo que se criará a partir do velho e renascerá das cinzas para nos oferecer a sua identidade perdida e esquecida.

23 outubro 2006

Renascer


Ao acordar, vi as marcas na poeira e o meu grito elevou-se ao mais alto infinito.

Os meus segredos escondem-se na redoma que me acolheu durante todos estes séculos em que hibernei e agora que os ventos mudaram, deixei o ninho como uma cria que deseja desafiar os céus e ando em busca de outros lugares onde possa voltar a escutar os ancestrais.

Vou pisando outros mundos e voo à deriva, enquanto não sei para onde devo seguir.
As minhas asas sabem os movimentos de cor e eu só tenho de reaprender a deixá-las ganhar vida para me deixar ir ao sabor da sua vontade.

É como se tivesse renascido, tanta coisa mudou...

Os barulhos, estranhos aos meus delicados ouvidos, já não transmitem a paz e o significado da abundância ficou perdido no tempo. O vazio e o nevoeiro surgem à minha frente e o que revivi nos meus sonhos, já não pertence a este mundo. Mas o sol ainda aparece por entre fendas.

Sinal de esperança...

Antes de adormecer, aquele que me deu a redoma avisou-me que o tempo de mudança estava a chegar e que, quando acordasse, estaria preparado para me treinar.

Ao renascer do entorpecimento, transfomei-me no corpo de uma criança que me ajudará a compreender melhor as mudanças do mundo enquanto não encontro o meu mestre.

Até lá...

19 outubro 2006

Tatuagens



Em cada gesto perdido
Tu és igual a mim
Em cada ferida que sara
Escondida do mundo
Eu sou igual a ti

Fazes pintura de guerra
Que eu não sei apagar
Pintas o sol da cor da terra
E a lua da cor do mar

Em cada grito da alma
Eu sou igual a ti
De cada vez que um olhar
Te alucina e te prende
Tu és igual a mim

Fazes pinturas de sonhos
Pintas o sol na minha mão
E és mistura de vento e lama
Entre os luares perdidos no chão

Em cada noite sem rumo
Tu és igual a mim
De cada vez que procuro
Preciso um abrigo
Eu sou igual a ti

Faço pinturas de guerra
Que eu não sei apagar
E pinto a lua da cor da terra
E o sol da cor do mar

Em cada grito afundado
Eu sou igual a ti
De cada vez que a tremura
Desata o desejo
Tu és igual a mim

Faço pinturas de sonhos
E pinto a lua na tua mão
Misturo o vento e a lama
Piso os luares perdidos no chão

- Mafalda Veiga e Jorge Palma in TATUAGENS